Ao largo de uma das mais vibrantes e electrizantes cidades africanas encontra-se um tesouro calmo. Dakar protege, da sua alegre confusão, a entrada para a pequena e adormecida ilha tropical, a Ilha de Gorée. Outrora, local de sofrimento, hoje uma visita imperdível ao passado escravo de um continente!

A Ilha de Gorée é um postal de edifícios coloniais coloridos, com mercados ao ar livre repletos ora de artesanato, ora de tecidos estendidos, cheios de padrões e cores senegalesas. A leve areia branca vai envolvendo lentamente as ruas livres de carros e os amigáveis locais vão nos aliciando e fazendo prometer uma visita às suas lojas.

A calma Ilha de Gorée contrasta com a movimentada capital Dakar. Em tudo. Desde o tamanho geográfico ao número populacional, cerca de 2000, e, também, pelo número de actividades para se fazer ou de lugares a visitar. Mas não se deixem enganar, deixamos esta visita para o fim da nossa viagem por alguma razão.

A cada duas horas, um ferry parte em direcção à pequena ilha e a sua curta travessia, de cerca de 20 minutos, não é tempo suficiente para nos preparar para o que aí vem . Aos poucos, vai-se vendo melhor no horizonte a pequena ilha de águas claras, árvores tropicais e as diferentes cores dos edifícios coloridos que decoram a ilha. Um pequeno paraíso, um descanso da grande Dakar.

Entrada da Casa dos escravos e a “porta do não retorno”

A Casa dos Escravos e a porta do não retorno


Por trás das cores e das ruas movimentadas de muitas cidades africanas encontra-se um passado sombrio. E, na Ilha de Gorée, este passado é, talvez, o mais importante na história da humanidade, senão o maior. É o lugar onde se globalizou a escravatura e se manchou a reputação europeia conquistadora e salvadora, ao ponto de ter alterado tanto as dinâmicas sociais, que ainda hoje se refletem as suas consequências. 

Os portugueses aqui chegaram em 1444 pela orientação do navegador Dinis Dias. Nos anos que se seguiram, o reino português construiu um posto comercial, uma igreja e um cemitério. Até ao século XVIII, esta zona estratégica foi disputada por portugueses, holandeses e ingleses até pertencer, finalmente, aos franceses em meados do século XVIII. 

Mas por que razão houve tantas disputas entre estas potências militares, na altura, sobre uma pequena ilha na África ocidental? A resposta é simples. Esta ilha era o centro e o controlo do comércio de escravos do grande mercado Europeu. 

La Maison des Eclaves, ou a Casa dos Escravos, é a recordação das condições desumanas a que os europeus forçaram o povo africano a viver, para, depois, fazerem a derradeira e última grande travessia das suas vidas, para as Américas. É uma das manchas na história da humanidade. A mancha que Joseph Ndiaye, criador e curador da instituição e museu dedicado ao comércio atlântico de escravos na ilha de Gorée, tudo faz para manter viva na memória da humanidade e, principalmente, a quem visita a ilha de Gorée, pois esta casa é o principal ponto turístico da ilha e um dos motivos para tal visita.

Os guias vão explicando o que se fazia nesta casa. Como se engordavam os escravos e os exercitavam para atingirem um peso mínimo até estarem prontos para atravessar a porta do não retorno, uma pequena porta, que deixava entrar a luz e os salpicos das ondas do mar e por onde os escravos passavam para entrar nos navios.

Explicam minuciosamente os processos de desumanização. Como e onde dormiam, como eram punidos por tentar fugir e como eram mortos por serem apanhados. As masmorras escuras com vista para o mar, onde muitos iriam afundar era tudo o que tinham nas celas.

Como de gado se tratassem, pessoas foram subjugadas, separadas das mães, dos filhos, irmãos e irmãs, para trabalharem nos campos agrícolas dos colonos europeus. As espingardas e grilhões são alguns dos artefactos que decoram a casa. Acrescentam às histórias, que aqui se contam, um tom pesado. Um tom para que irá permanecer em nós, como uma mancha que não sai. 

Estima-se que 12 milhões de africanos traficados tenham entrado nesta casa e atravessado a porta do não retorno.

Fortaleza de Ilha de Gorée

O Museu de História

Na parte norte da ilha encontra-se a fortaleza, construída na década de 50 do século XIX, como uma defesa portuária. Apesar de nunca ter sido usada em combate serviu, sim, como prisão civil até 1976. 

Hoje, estas grossas paredes guardam um pequeno museu de história que exibe períodos desde o Paleolítico até à luta pela independência contra França já no século XX. As exposições mais predominantes neste museu englobam o papel da ilha no tráfico humano. 

A Ilha de Gorée

Explorando esta pequena ilha, sem a ideia pré-concebida do que aqui aconteceu, num passado não tão longínquo como se possa pensar, nada nos faria imaginar uma história tão sombria. 

As ruas fotogénicas repletas de flores e plantas que ladeiam os passeios de areia. As vibrantes comunidades artísticas que expõem as suas criações para fazerem o seu próximo negócio. Aqui, os pintores dispõem os seus quadros, os escultores organizam as suas peças, os joalheiros e os fazedores de máscaras, cestos ou tecidos, aliciam-nos a entrar nas suas criações e tentam que levemos uma recordação desta ilha. Mas na verdade é a visita a Gorée que se torna na recordação que jamais iremos esquecer